Cachorro latindo, sirene, crianças brincando no quintal. Além dos problemas do cotidiano de um bairro em Recife, como a segurança, é o som que tem maior destaque no primeiro longa-metragem de ficção de Kleber Mendonça Filho.
Depois de ganhar diversos prêmios no Brasil e no exterior, e de ser lembrado pelo crítico A.O. Scott, do jornal norte-americano “The New York Times” em sua tradicional lista dos dez melhores filmes do ano, “O Som ao Redor” estreia nesta sexta-feira, 4, nos cinemas.
Em sua cidade Natal, Kleber Mendonça Filho faz uma crônica mostrando os problemas e as soluções possíveis para cada caso. Como diz a fita, os ruídos mostram quem somos.
Em uma pacata rua no centro de Recife, o rádio do carro de uma moça é furtado, enquanto ela está, pela primeira vez, com um rapaz que conheceu na noite anterior.
O ladrão tem tanto cuidado, que não chega a quebrar o vidro; ele é cuidadosamente retirado, intacto. Mas do lado de dentro, o rádio e os CDs de músicas não ficaram para contar a história.
O problema pode começar a ter solução quando a milícia, representada por Clodoaldo (Irandhir Santos, de “Tropa de Elite 2”), se mete a fazer a ronda na vizinhaça e a cobrar por ela, é claro. Uma quantia pequena de cada morador, mas oferece a garantia de que a paz voltará a reinar – além de fazer um acerto.
O som vem com tudo, porém, quando perturba a paz de Bia (Maeve Jinkings), mãe de duas crianças que tem crises de dor de cabeça por conta do latido do cachorro do vizinho que não cessa. Para aliviar a tensão, usa algumas artimanhas que começa com a compra de galões d’água…
A narrativa escrita e dirigida por Mendonça foca em diversos personagens, mas não se aprofunda em nenhum. O espectador não conhece, por exemplo, a história de Sofia (Irma Brown), a menina que tem o rádio do carro roubado. A plateia não sabe, por exemplo, se é para torcer para ela ficar com o rapaz com quem dormiu na primeira noite, ou se é melhor ela ir embora de vez.
Sobre este rapaz, João (Gustavo Jahn), que é corretor e sobrinho de Francisco (WJ Solha, de “Era Uma Vez Eu, Verônica”), homem que mais casas possui na mesma rua, também pouco se sabe. A milícia, ao contrário, o conhecimento é aprofundado, já que o mistério é revelado no final.
Apesar dos poucos problemas, o longa tem sensibilidade de discutir, durante 131 minutos, violência e barulho urbano de uma capital brasileira em uma trama agradável e rara de se ver no cinema nacional. Discute também o poder e o que o dinheiro pode comprar para garantir que a sua vontade seja ouvida – e aceita. Provoca no espectador uma reflexão: até que ponto cada um pode chegar para justificar os seus atos, como o furto de um rádio ou o calmante para um cachorro, além da corrupção.
Além de ter sido citado pelo jornal nova-iorquino, “O Som ao Redor” foi premiado nos festivais do Rio, de Gramado e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, além de festivais internacionais, como o de Copenhague e o de Roterdã, no qual foi apresentado no início de 2012.
Ex-crítico e ex-programador de cinema, o cineasta já fez vários curtas-metragens (“Enjaulado”, “A Menina do Algodão”, “Vinil Verde”, “Eletrodoméstica”, “Noite de Sexta Manhã de Sábado”, “Recife Frio”) e um documentário de longa-metragem (“Crítico”) antes de se aventurar no longa de ficção – costumeiramente o maior desejo de qualquer realizador.