A contar das primeiras imagens do longa-metragem “Wall-E”, não dá para imaginar que se trata de um filme de animação. Ao contrário. Primeiro porque as cenas do espaço remetem às obras de ficção científica. Aliás, há referências ao clássico “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick, em diversos momentos e não apenas quando os personagens estão em outro planeta. As citações aparecem quando os personagens estão dentro da nave. Há também referências ao computador que domina o comandante (lembra do HAL?) e, claro, a trilha sonora.
Com lançamento mundial nesta sexta-feira, 27, “Wall-E”, abreviação de “Waste Allocation Load Lifter Earth-Class”, que em português é algo como “Elevador de Detritos Classe Terra”, é um robô que foi projetado para limpar a Terra e se passa no ano de 2800 mais ou menos. Então, ele tem a missão de separar o lixo e compactá-lo. No entanto, ele conhece a robô EVA, que está na Terra para cumprir a sua diretriz e dá novo propósito à sua vida. Os dois, então, têm o mesmo objetivo e seguem para o espaço. EVA significa não apenas a primeira mulher da humanidade, mas também “Extra-terrestrial Vegetation Evaluator”, ou “Exterminadora de Vegetação Alienígena”.
O filme, dirigido e roteirizado por Andrew Stanton, o mesmo responsável pelo sucesso “Procurando Nemo” (2003), vencedor do Oscar de Melhor Longa-metragem de Animação, consegue, do início ao fim, entreter o espectador com um roteiro conciso, bem-escrito e com arte gráfica (3-D) impecável. Os traços do desenho são perfeitos, assim como a ambientação criada para desenvolver a trama.
Além de remeter ao “2001”, o protagonista faz o espectador se lembrar de “ET – O Extraterrestre”, não apenas por suas características físicas, como a cabeça que encolhe e o corpo achatado, mas também por suas funções psicológicas, já que ele reage às descobertas tal como fazia o alienígena dos anos 1980. Além disso, Wall-E é ingênuo, sujo, vira e mexe os seus olhos quebram e a placa do seu computador interno é trocada. Já EVA, que vive em outra galáxia, tem design futurista, é pura, , seus olhos são luzes e é toda programável.
Como separa o lixo (sua diretiz), Wall-E guarda alguns artigos que encontra no caminho e que achou interessante. Estão em sua prateleira: Cubo Mágico, lâmpada, talheres (a cena de ele separando os garfos e as colheres é hilária), teclados, televisor, VHS, filme musical (“Hello, Dolly”, de 1969, dirigido por Gene Kelly), CDs, iPod Classic, torradeira, caixinha de anel de diamante…
Wall-E conhece EVA e faz amizade com uma barata (elas sempre sobrevivem). Artistas da Pixar chamam-na carinhosamente de Hal (em homenagem ao produtor da década de 1920, Hal Roach, e também a HAL, de “2001”).
Além de animação, o filme pode ser classificado como ficção científica, comédia, comédia romântica e drama. Ao contrário do que as pessoas possam pensar, não é um filme para crianças. Os pequenos podem achar bonitinho, como acharam “Shrek”. Mas, assim como “Shrek Terceiro“, “Wall-E” se comunica melhor com o público adulto, pois esse captará com mais facilidade as piadas do texto, as cutucadas cínicas quando debocha da tecnologia (o computador démodé que cuida da sucata reinicia e emite o som do Windows; já a robô do futuro lembra o Macintosh – Steve Jobs, fundador da Apple, é um dos donos da Pixar), faz uma crítica acirrada ao sedentarismo, à era moderna (quando as pessoas não fazem nada e só apertam botões e comem) e, ao final, transmite a mensagem da importância de se cuidar da plantinha porque a natureza é o único bem que temos de verdade.
Outra mensagem é com relação ao amor, ao espírito de solidariedade e ao companheirismo. Preste atenção na sutileza das mãos dadas e o significado que esse simples gesto tem para os robôs e para os humanos. Outro detalhe é o balé dos dois no espaço: para Gene Kelly nenhum botar defeito!
Humanos, por sinal, estão presentes na fita, mas só aparecem do meio para o final porque tiveram de sair da Terra para que ela fosse limpa. Com formas arredondadas e de olho na tecnologia, as pessoas vivem à mercê dos robôs que os levaram para o espaço, andam em carros flutuantes e se comunicam virtualmente.
Um dos destaques da narrativa – que fazem parte do histórico do estúdio -, é o fato de os personagens terem bom humor. A trilha sonora colabora com o tema (há uma versão de “La Vie En Rose”, de Edith Piaf, muito sentimentalista, além de “Don’t Worry, Be Happy” e a valsa “Assim Falou Zarathustra”), há fantasia, mas sempre lembrando da verossimilhança, porque tudo pode não ser real, mas os produtores sempre levam em conta este fator da naturalidade. E, claro, a história que tem começo, meio e fim, como é o lema da Pixar desde quando John Lasseter criou o curta-metragem “Luxo Jr.”, que conta a história de uma luminária que até hoje é o mascote da empresa.
Depois de criar brinquedos ciumentos (“Toy Story”), insetos desajustados (“Vida de Inseto”), pequenos monstros (“Monstros S.A.”), carros com vida social (“Carros“), peixe que se perde da família (“Procurando Nemo“), humanos comuns com poderes de super-heróis (“Os Incríveis“), ratinho cozinheiro (“Ratatouille“), entre outros personagens, a Pixar/Disney consagra-se como um dos melhores estúdios de animação de todos os tempos (com produções que evoluem e melhoram a cada lançamento) não apenas em qualidade, mas também em dinheiro: a arrecadação mundial nos oito primeiro lançamentos é de US$ 4,3 bilhões.
Embora existam poucos diálogos no filme, os produtores criaram vozes para os robôs que lembram o R2-D2 da série “Star Wars”, filme de George Lucas. Talvez porque muitos funcionários da Pixar, como os pioneiros Ed Catmull e John Lasseter, começaram a carreira na Lucasfilm. Ou seja, “Wall-E” não tem muitos diálogos e possui produção impecável: coisas que só o cinema pode proporcionar.
Em tempo
Um dos destaques da Pixar são os seus curtas-metragens e, antes do início da exibição do longa, os espectadores podem conferir a história de “Presto”, sobre um coelho e o seu mágico. É divertidíssimo e vai arrancar risadas da platéia o tempo todo. Apenas um aquecimento para o que vem adiante.
Portanto, relaxe na poltrona e aproveite a sessão, porque até os créditos finais é possível degustar o que os profissionais estão fazendo no mercado de animação. Enquanto aparecem os inúmeros nomes de pessoas que participaram do filme, há desenhos que lembram videogame e pinturas que remontam aos grandes mestres, como os impressionistas Claude Monet e Van Gogh. Imperdível.