Ao sair de casa para assistir a um filme de Quentin Tarantino, já se sabe que a experiência será intensa. Em sua filmografia, o cineasta mostra que não está para brincadeira quando empunha uma câmera e escreve um roteiro original. Foi assim, por exemplo, com “Kill Bill”, “À Prova de Morte”, “Bastardos Inglórios” e “Django Livre”.
Em “Os Oito Odiados” (“The Hateful Eight”), longa-metragem que chega aos cinemas brasileiros na quinta, 7, até parece não se tratar de um filme seu, tamanha a falta de ação, de diálogos ásperos e irônicos. Mas só parece.
No início do longa, situado após a Guerra Civil americana, a viagem de uma diligência é interrompida quando uma forte nevasca atinge a região e os passageiros são obrigados a parar no meio do caminho. E é ali, dentro do estabelecimento, que oito (ou talvez nove) pessoas se confinam e são colocadas à prova.
Com destino a Red Rock, o caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell) leva sua prisioneira, Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh, ótima!), para entregá-la à Justiça. Os dois oferecem carona ao negro soldado aposentado, major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), e um sulista que diz ser o novo xerife da cidade, Chris Mannix (Walton Goggins).
No tal estabelecimento que pertence à Minnie, os quatro são recebidos por Bob (Demian Bichir), Oswaldo Mobray (Tim Roth), Joe Gage (Michael Madsen) e o general Sanford Smithers (Bruce Dern).
Para a filmagem de seu oitavo filme, Tarantino escolheu a câmera Ultra Panavision 70. Essa informação poderia ser desprezada não fosse a influência que o equipamento tem na produção. Isso porque o uso da câmera em formato widescreen aproxima os personagens da tela ao espectador e a sensação de claustrofobia é aumentada, uma vez que a maior parte das mais de três horas de filme se passa dentro de um galpão.
A ambientação pode lembrar um teatro, uma vez que o cenário é sempre o mesmo –com exceção da parte externa, quando aparece a nevasca, no início da fita. Tarantino escolheu para as externas a região do Colorado (EUA), cuja mãe-natureza deu uma boa mão afim obter a neve necessária para a produção. A ideia da filmagem em ambiente único, porém, é um pouco diferente da de Lars von Trier, em “Dogville”. Naquela produção, pode-se acompanhar a atriz Nicole Kidman em tom teatral em cima de um palco. Aqui, a intenção é que os personagens possam ser vistos pela plateia mesmo sem estar necessariamente em foco.
Mesmo dentro do galpão é possível ouvir o barulho do vento uivando, de maneira que o espectador sente a claustrofobia do ambiente em que os homens e a mulher estão confinados esperando a nevasca dar uma trégua. A música de Ennio Morriconi sublinha o ambiente de tensão que é necessário.
Lá pelas tantas, é o forasteiro vivido por Samuel L. Jackson que dá as cartas. É ele quem vai rebater a quantidade exagerada de “nigger” pronunciada pelos personagens em tom de preconceito. Mas sua habilidade em conduzir não se resume às armas que mantêm em punho. É na oração que estão as maiores convicções que ele apresenta e que vão garantindo o espetáculo.
Se no início o espectador tinha dúvida sobre o diretor e poderia até achar a trama sonolenta, a quantidade de balas explodidas e de sangue escorrido ao longo do filme garantem a procedência, e a ação desperta qualquer um que tenha piscado no início. É com os olhos grudados na tela que a plateia confere que Tarantino está mais afiado do que nunca.