Logo no início, a trilha sonora de “O Palhaço” já remete ao “mundo encantado do circo”. É quando os artistas se preparam para cair na estrada e montar o Circo Esperança na cidade vizinha, sempre no interior, no meio do nada, onde vivem comunidade simples e pessoas que se interessam por piadas simples, mas que oferecem boas gargalhadas. Em uma das passagens, um dos palhaços explica que faz “o povo rir, mas é ele que vai me fazer rir”.
A caravana segue com muitos artistas, mas a principal atração é a dupla de palhaços Puro-Sangue e Pangaré, na verdade Valdemar (Paulo José) e Benjamim (Selton Mello), pai e filho que dividem o picadeiro e, claro, as piadas, sempre com grande cumplicidade.
No entanto, embora esteja na profissão desde pequeno, Benjamim se questiona se é isso mesmo o que quer continuar fazendo para o resto da vida. E daí entra o diálogo repetido por seu pai: “A gente tem que fazer o que sabe: o gato bebe leite, o rato come queijo e eu sou palhaço. E você?”
Benjamim está cansado, tem sono, calor (precisa de um ventilador, como aponta a musa Lola, vivida por Giselle Motta), não tem documento de identidade, apenas certidão de nascimento, e ainda conhece uma garota em Passos, que trabalha no Aldo Autopeças.
Depois de se questionar mais uma vez sobre o que fazer, decide ir atrás de todas essas coisas que lhe faltam. Do lado de cá da plateia, o espectador vai acompanhar a saga do circo e a jornada individual do palhaço que está em busca de sua identidade. Algo bastante comum, aliás, capaz de fazer com que cada um, em algum momento, também comece a se fazer a mesma pergunta.
Com participações especiais incontáveis, como Fabiana Karla, Jackson Antunes, Tonico Pereira, Ferrugem, Danton Mello, destaque para a participação impagável de Moacyr Franco, como o delegado, que começa um discurso falando de seu gato e de sua esposa.
“O Palhaço” remete a filmes de grandes diretores especializados em circo, como Charles Chaplin e Federico Fellini, mas usa a graça para discutir a identidade, mas também revela antigos problemas brasileiros, como a propina cobrada pelo fiscal da prefeitura que, em troca da licença, pede uma grana, além do delegado e do mecânico que não trabalha aos sábados…
Em tempos nos quais o cinema brasileiro é focado principalmente em comédias e quase sempre com artistas que fazem sucesso na televisão, “O Palhaço” resgata a sutileza da fantasia que remete à infância de muitos, incentiva a participação de artistas que não têm muito espaço e o melhor: é capaz de fazer rir e chorar em momentos encantadores.
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Leia também a entrevista com Selton Mello.