Para começar a filmar “As Melhores Coisas do Mundo”, longa-metragem sobre adolescentes, baseado na coleção de livros “Mano”, de Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto, a diretora Laís Bodanzky (de “Bicho de Sete Cabeças”, “Chega de Saudade“) e o roteirista Luiz Bolognesi fizeram pesquisa de campo com 2.500 alunos de diferentes colégios de classe média de São Paulo para atualizar a narrativa e se aproximar cada vez mais do momento atual.
Embora adolescente seja adolescente em qualquer época e em qualquer lugar do mundo, há as inovações, as gírias e os assuntos de cada roda que vão mudando ao longo dos anos.
A fita começa a partir do problema de Mano (Francisco Miguez), um menino de 15 anos que, ao chegar em casa, se depara com a separação dos pais. É ele (José Carlos Machado), o patriarca da família, composta pela mãe (Denise Fraga) e outro irmão, Pedro (Fiuk), que vai sair do lar.
A partir de então, o desenrolar da trama acontece na escola, claro, afinal é o local onde esses jovens passam a maior parte do tempo de suas vidas nesta fase: é lá que estão as amizades, as paqueras e, claro, os problemas. E Laís mostra isso com muita intimidade. Aborda com naturalidade as questões que eles discutem, a sexualidade, a relação aluno-professor, a luta pela eleição da chapa que vai eleger os representantes da escola que vão, aliás, organizar a festa ou a viagem de formatura para os alunos do terceiro ano do ensino médio.
O núcleo principal é formado pelos amigos de Mano: Deco (Gabriel Illanes) e Carol (Gabriela Rocha), que vão falar sobre amores, a mania das meninas romantizarem e dos meninos se acharem os “pegadores”. Carol, aliás, tem mania de escrever tudo o que pensa em um caderninho que carrega para cima e para baixo, tal como se fosse um diário. No entanto, são frases soltas, observações que faz sob osE o drama familiar de Mano aumenta, principalmente por conta da revelação do pai e da história que se espalha na escola.
Então, ele tem de aturar as chateações dos outros alunos, assim como “a fofoqueira” da escola que não faz um jornalzinho, como se fazia no passado, mas vídeos que são publicados na internet e os alunos (praticamente todos eles) o acessam para saber sobre a porção “podre” da escola. Não bastam os corredores e o “telefone sem fio”. A tecnologia tem papel fundamental na escola, uma vez que o telefone celular (corriqueiramente utilizado durante as aulas) serve para transmitir fofoca via SMS (mensagens de texto) ou MMS (fo
to), delatando alguma escorregada de alguém.
Ainda no decorrer da trama, o público vai se divertir com os palavrões no meio das frases, fazendo, vá lá, os diálogos ficarem ainda mais reais. Só me pergunto, afinal, por que brasileiro ri nos filmes nacionais, principalmente nas cenas nas quais os personagens pronunciam um “filho da puta”, “puta que o pariu” etc.? Mas aqui é capaz que as pessoas se identifiquem com as gírias, essas sim bastante atuais e, por que não afirmar, paulistanas.
Afinal, foi a capital paulista que Laís Bodanzky escolheu para ser o pano de fundo de sua obra. E o espectador vai reconhecer a Praça do Pôr-do-Sol, a avenida Nove de Julho, as ruas da Vila Mariana, a escadaria que Mano sobe com a bicicleta na mão para ir à aula de violão com o professor particular (Paulo Vilhena), provavelmente em Pinheiros e assim por diante.
Ainda que a escola seja uma típica de classe média, com muitas coisas “arrumadinhas” e tudo bem estruturado, principalmente porque a mãe não enlouquece quando seu marido está deixando a família (apenas tem um ataque quando o filho apanha dos colegas), e a escola pareça desestruturada (percepção que temos quando o professor é demitido por conta de um beijo que uma aluna lhe roubou), o longa-metragem discute homossexualidade, preconceitos, paixão pelo professor, os problemas familiares, mas não esclarece nada.
Isso fica bastante claro, pois Laís Bodanzky prova que não está atrás de nenhuma resposta. Ela fez uma excelente pesquisa, utilizou muitos não-atores para fazerem parte de seu filme, escalou outros consagrados e explorou o máximo de cada um. Isso sim, aliás, é possível ver com clareza ao longo da película.
Se o francês “Entre os Muros da Escola” fala sobre o que alunos parisienses de classe baixa discutem dentro da sala de aula e os problemas enfrentados pelos professores, “As Melhores Coisas do Mundo” vai além. Mistura a família, coloca na roda a discussão da primeira transa, do namoro que não deu certo e, portanto, o adolescente atormentado pensa (e anuncia via internet) o seu suicídio.
Há algo de artificial na obra, mas, o espectador há de concordar que, independentemente da idade que ele tenha (se adolescente vive algo daquilo, se adulto, já viveu), algumas cenas serão memoráveis. “As Melhores Coisas do Mundo” não é um filme exclusivamente para adolescentes, mas sobre adolescentes. E, portanto, uma ótima oportunidade para conhecer um pouco deste universo ou, quem sabe, revivê-lo – ainda que na sua (e na minha) adolescência não existia telefone celular, blogs e toda a tecnologia que os de hoje se valem!