Depois de ler um livro do pedagogo Roberto Carlos Ramos, e saber mais um pouco mais sobre a sua história de vida que constava da contracapa da publicação, o diretor Luiz Villaça (“Cristina Quer Casar”) teve a ideia de mostrar no cinema. O resultado é o longa-metragem “O Contador de Histórias”, que estreia nesta sexta, dia 7 de agosto.
A fita conta como Roberto, um menino com então sete anos, foi parar na Febem de Belo Horizonte nos anos 1970. De modo não-linear, a narrativa traça sua biografia, que começa dentro da instituição, justamente quando ele conhece a pedagoga francesa Margherit Duvas (a atriz portuguesa Maria de Medeiros), que está no Brasil para estudar o comportamento dessas crianças e se interessa pela história do menino.
Então, o espectador vai acompanhar a sua história de vida, como foi que sua mãe o deixou na porta da Febem, uma vez que, diante de sua ignorância, acreditava que ele iria ser bem-tratado, ter casa, comida e oportunidade de estudar até se formar doutor.
Caçula de uma família com nove irmãos, Roberto Carlos aprendeu, tortamente, como se virar, fazer amigos, planejar sua fuga e, com um outro menino, por exemplo, compete fazendo listas de palavrões, pois acredita que só assim impunha moral.
Com narrações em off (feitas, aliás, pelo verdadeiro Roberto Carlos Ramos, que utiliza frases irônicas para qualificar a Febem e o seu aprendizado lá), o longa vai mostrando a evolução do menino até ele sair da instituição e conviver com a francesa que lhe dá noções de higiene, educação, afeto, além de oferecer comida, casa e ensino de como ler e escrever em português (e algumas palavras em francês). Além dos diálogos em português, a personagem pronuncia frases em francês, ainda que não sejam legendadas.
Na ficção, o menino é interpretado por três não-atores, cada um de uma fase da vida: Marco Antonio (6 anos), Paulo Henrique Mendes (13 anos) e Cleiton dos Santos da Silva (20 anos). O que mais aparece, porém, é Paulo, pois é com ênfase nesta fase que é focado o longa. Então, vemos um menino negro, sujo, mal-humorado, que não quer dar atenção à pedagoga, mas que, quando começa a falar com ela e a gravar em seu velho gravador, utiliza-se de criatividade ímpar para contar, usando metáforas e muita imaginação, como chegou à Febem.
Com roteiro de Mauricio Arruda, José Roberto Torero, Mariana Veríssimo e Luiz Villaça, a fita traça sua trajetória e condensa, em uma hora e meia, como Roberto se tornou, de um menino irrecuperável da Febem (como a psicóloga do local se refere a ele) a um prestigiado contador de histórias.
O clímax do filme é quando Cabelinho de Fogo (Victor Augusto), um dos líderes dos meninos de rua de Belo Horizonte, resolve ir à casa da francesa e tenta convencer Roberto do que ele deve fazer. Outro fato que desencadeia mais um problema é o fim da estada de Margherit no país.
Maria de Medeiros pode ter sido uma boa escolha para a personagem, uma vez que se trata de uma atriz franco-portuguesa (e o papel pede os dois idiomas). No entanto, falta um pouco na sua interpretação, no modo como desenvolve sua personagem, principalmente quando o drama fica evidente e precisa ser enérgica (por exemplo quando ela pede que o menino saia do banheiro, em uma das cenas). Ora usando sotaque, ora não, ela chama o garoto com ênfase na letra “o” do final, como se fosse “Robertô”.
Com elipses bem-feitas, visto que a história narra a partir dos seis anos de idade do menino, essas condensações foram necessárias para se poder contar tudo em um breve espaço de tempo. De maneira emocionante, o espectador acompanha a trajetória do menino, o sucesso da pedagoga em sua pesquisa e a evolução dele como cidadão.
Um dos momentos mais marcantes, contudo, não é quanto ao fato de ele sair da Febem, ter uma casa para morar, aprender e ler sozinho o clássico “Vinte Mil Léguas Submarinas”, de Júlio Verne. Mas sim a corrida que ele faz em direção ao mar, em uma clara homenagem a François Truffaut, no clássico “Os Incompreendidos”.
“O Contador de Histórias” é a história sobre um brasileiro que sim, teve oportunidade de se formar como cidadão, receber carinho e educação. E mostra que muitos podem ter essa chance também.