Memória Cinematográfica

Memória Cinematográfica

Menu
fechar

Não Por Acaso

Estreia Nacional tatianna 7 junho 2007

Entre várias opções, Michaelis define “Acaso” como “acontecimento incerto ou imprevisível; eventualidade”. E é justamente sobre este tema que trata o longa-metragem “Não por Acaso”, que estreou quinta-feira, 7. O diretor carioca Philippe Barcinski (do curta-metragem “Janela Aberta”) se propõe a contar duas histórias paralelas, e uma delas começa com os créditos, quando as imagens apresentam a movimentada São Paulo vista do alto.

De um helicóptero, personagens discutem o trânsito da grande metrópole, com o emaranhado de viadutos que cortam a cidade. Então, Barcinski apresenta o funcionário do departamento de trânsito da cidade, que controla os semáforos das ruas e avenidas, a fim de fazer o trânsito fluir.

Com câmeras de vídeo à disposição, Ênio (Leonardo Medeiros) analisa o andamento dos carros e acredita que tudo pode ser controlado, inclusive as suas emoções. “A cidade não é apenas um cano, é um emaranhado de canos correndo para diferentes direções”, diz ele em uma passagem do longa.

Do outro lado está Pedro (Rodrigo Santoro, que aparece após 20 minutos), um obcecado por sinuca que também fabrica as mesas do jogo, tal como o seu pai fazia. Com cabelo de lado e jeito malandro (o sambinha no fundo dá o toque final), Pedro ensaia as suas jogadas, que são programadas para vencer o adversário, em uma clássica relação de causa e efeito. Com narrações em off, ele prepara as suas tacadas e imagina o trajeto que a bola vai fazer quando ele a empurrar com o taco.

As vidas dos dois personagens centrais nunca vão se cruzar no longa-metragem escrito por Barcinski em parceria com sua esposa, Fabiana Werneck Barcinski, e por Eugenio Puppo, mas um acidente de automóvel envolvendo a ex-mulher de Ênio e a atual namorada de Pedro, Teresa (a estreante Branca Messina), dá um novo rumo à história e mostra como seus sentimentos são parecidos.

A partir de então, entram em cena a adolescente Bia (Rita Batata), filha de Ênio, e Lúcia (Letícia Sabatella), uma executiva que acaba de alugar o apartamento de Teresa, que vão mostrar nitidamente o tormento dos personagens e as dificuldades de se relacionar com pessoas, já que não é possível obter o controle de tudo e de todos, tal como é possível em um jogo de sinuca sem parceiro, ou num ritmo do trânsito de uma grande metrópole, sem acidente.

Barcinski consegue contar uma emocionante história apoiado em uma direção bem-feita, em especial em virtude da movimentação de suas câmeras na cinzenta São Paulo, com cenas do Centro da cidade. As locações, aliás, servem como coadjuvante para o filme, que fala de pessoas e da dificuldade nas relações interpessoais, já que emoções são incontroláveis. A fotografia de Pedro Farkas (“Zuzu Angel“) também colabora com o ar triste.

Rodrigo Santoro mostra que pode atuar e sabe fazer um rapaz de sua idade, embora tenha ficado devendo em suas últimas participações no cinema hollywoodiano. Letícia Sabatella, porém, força um pouco sua interpretação e não dá o tratamento especial que a sua personagem merece.

Ed Cortes, autor da trilha sonora (“Cidade de Deus”), dá o toque final à melancolia à qual o filme se propõe, quando discute a solidão e a ansiedade de programar os encontros e fazer como tudo já foi feito antes, e só não deu certo por dois segundos, tempo suficiente para mudar o rumo de uma vida, de toda uma história. Sem dúvida, obra do acaso.

Veja também