Memória Cinematográfica

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Tragédia sem resposta

Entrevista Estreia Nacional 19 junho 2009

O fato não aconteceu há muito tempo, mas, com o intuito de “celebrar a vida” de Jean Charles de Menezes, assassinado por agentes do serviço secreto britânico, em 22 de julho de 2005, em Londres, o diretor Henrique Goldman resolveu contar a sua história no cinema.

O filme, que leva o nome do eletricista que vivia na capital inglesa, “Jean Charles”, estreia no dia 26 de junho, mas nesta semana parte do elenco, além do diretor e do co-roteirista Marcelo Starobinas se encontraram com a imprensa para falar sobre a produção que teve cerca de seis semanas de filmagens entre Brasil e Inglaterra. A produção, aliás, foi feita em conjunto com esses dois países.

Embora o episódio não tenha tido uma resolução, uma vez que a família ainda luta por justiça, o diretor diz que o filme, cujas cenas foram escritas com base em pesquisas nos laudos policiais, ajude a solução e que “leis melhores entrem em vigor”.

Para construir a história que revela os últimos meses da vida do eletricista de Minas Gerais, a partir da chegada a Londres de sua prima Vivian, que vai morar com ele e os primos Alex e Patrícia, os roteiristas e os atores conheceram algumas das pessoas que conviveram com Jean Charles durante o tempo que ele passou em Londres. A prima dele, Patrícia Armani, aliás, vive ela mesma no filme e foi uma das pessoas que mais influenciaram na construção das cenas.

Vanessa Giácomo, que interpreta Vivian, conta que não leu o roteiro antes. “Tive dois encontros com ela. Fui para Gonzaga [cidade de Jean Charles] e conheci os pais dela e os de Jean”, diz.

Ao contrário da atriz, Selton Mello não teve acesso a nenhuma imagem em movimento de Jean Charles. “Só vi fotos e ouvi muitas histórias. Nasci em Passos, no sul de Minas Gerais, fui criado em São Paulo, e a maneira como ele se assombrou com Londres não é muito diferente de como foi comigo. Eu queria ir à estação de metrô de Stockwell, onde há um santuário em homenagem a ele, pedir licença porque eu ia interpretá-lo, mas o Henrique achou melhor eu não ir porque eu estava lá para fazer a vida dele e não sua morte”, diz Selton. Outra coisa foi que ele não conheceu os pais dele e que Jean Charles era o “motor da casa, pois era muito ativo”.

Se um dos últimos filmes que Selton Mello fez foi “Meu Nome Não É Johnny”, sobre a vida de João Estrella, agora ele atua em “Jean Charles”, filme sobre a vida do rapaz assassinado. Sobre essas semelhanças, ou seja, interpretar vida de pessoas, ele diz que a diferença básica é que o João “sempre ia ao set de filmagem”. “Tinha contato direto. E ‘Jean Charles’ eu penso que é um filme sobre um brasileiro. Londres é o terceiro lugar do mundo onde há mais brasileiros, só fica atrás de Nova York e Massachusetts – aliás é difícil falar Massachusetts”, brinca. “Fiquei muito comovido com o filme, adorei. Acho que o Henrique foi preciso. Ele veio de uma escola documental e conseguiu fugir das armadilhas que poderia glorificar o cara”, aponta Selton.

Em destaque nas cenas também estava o personagem Alex, vivido por Luís Miranda, que morava no mesmo apartamento de Jean Charles. Ele conta que o toque de humor de que deu ao seu personagem é uma característica sua, uma vez que trabalhou no “Terça Insana”, além de seu personagem em “Meu Nome Não É Johnny” também ter esse bom-humor. “Este personagem só tomou vida quando cheguei em Londres e lá me deparei com o cara ímpar que é o Alex. Tentei me aproximar dele, beber dos diálogos que ele usa para construir os meus”, diz.

Segundo Henrique Goldman, não há fantasias na história contada no cinema, mas algumas partes foram inventadas para sintetizar a narrativa. “A história foi ficcionalizada para ser mais real. É estranho, mas foi isso”, completa ele.

Na primeira versão da montagem havia uma cena que, antes de Jean Charles ser assassinado no metrô, ele falava com os policiais. No entanto, essa cena foi cortada. Segundo o produtor Carlos Nader, aquela cena não existia nos laudos. “Alex me ligou e disse que era para tirarmos a cena porque não havia sido assim. Vimos que tinha procedência real e moral e cortamos os três segundos.”

Henrique afirma que os policiais fizeram de tudo para colocar a culpa em Jean Charles, alegando que ele havia recebido voz de prisão por ter sido confundido com um terrorista, mas isso não aconteceu de fato. “As 19 testemunhas afirmaram isso e o argumento da polícia era que seus agentes se viram diante de um homem-bomba e atiraram em autodefesa. Colocando a cena no filme, mudaríamos os fatos”, conclui Henrique. “Cheguei a ligar para o chefe da corregedoria da polícia britânica para checar todos os detalhes. Mesmo porque a cena pode ter implicações legais e buscamos ser o mais preciso possível”, completa o roteirista Marcelo.

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