Para o lançamento de seu segundo longa-metragem, “O Palhaço”, o ator e diretor Selton Mello conversou com a Folha de Alphaville e contou um pouco sobre como foi escrever (ao lado de Marcelo Vindicatto), atuar, dirigir, coproduzir e montar o filme. O longa estreia nesta sexta-feira, 28, depois de ter sido apresentado nos festivais de Gramado, do Rio e de Paulínia, no qual foi premiado como Melhor Direção, Ator Coadjuvante para Moacyr Franco, Roteiro e Figurino.
“Já tinha montado outro filme [“Feliz Natal”], e sempre gostei de edição. Acho que todo diretor deveria saber montar um filme e fica mais fácil decupar a cena de forma mais objetiva se você tem na cabeça como montar. Dividi a função com a Marília Moraes e eu tinha o filme muito claro na minha cabeça. Me perguntam se eu fiz storyboard, mas não precisei, estava tudo na minha cabeça. Sabia exatamente o que eu queria falar”, explica.
Ainda que seja seu segundo filme, Selton conta que não sentiu o peso da cobrança, já que, em 2008, lançou “Feliz Natal”. “Não tive tempo de pensar nisso, quando vi, já estava fazendo.”
No longa, ele faz um palhaço, filho da personagem vivida por Paulo José, também um palhaço. Para construir suas personagens, eles tiveram o que chamaram de “Personal Palhacetor”, com ajuda do palhaço Kuxixo. Para a escolha do elenco, Selton conta que fez questão de misturar pessoas conhecidas a estreantes. “Esta mistura saborosa dá a cara da trupe”, diz, citando Paulo José, Cadu Fávero, Erom Cordeiro, entre outros.
O filme conta a história do palhaço que está em busca de sua identidade, que quer descobrir se realmente é aquilo o que ele quer fazer para sua vida. Neste aspecto, tem um quê de autobiografia, mas o diretor nega. “Não é autobiográfico, mas trabalho desde os oito anos de idade, tenho 38, e essa crise eu tenho há 30 anos. Há 30 anos, acho que devo desistir, mas encontro algo lindo, que me põe pra frente.”
Para a trilha sonora, foi convidado o compositor Plínio Profeta, que, além das canções originais, incluiu outras músicas que podem ser classificadas como bregas. “Na minha infância, a música que meu pai mais ouvia, quando morávamos em São Paulo, e eu tenho essa memória forte, era uma de Altemar Dutra. E quando fui fazer o filme, lembrei dessas músicas que são consideradas bregas, mas são muito lindas.”
Paulo José, em uma brilhante apresentação no filme, diz na entrevista coletiva que trabalhar com o Selton foi muito bom. “É uma fera que finge ser bonzinho. É teimoso, determinado e, como diretor, tem a obrigação de ser duro, exigente, senão todo mundo ia querer dar palpite. Mas no set, ninguém deu um pio, apenas seguiu as determinações do diretor, que sabe o que quer. Diretor bonzinho é chato”, define.
“O Palhaço” foi filmado em Paulínia (São Paulo) e Santa Rita de Ibitipoca, Bom Jesus do Vermelho, Conceição do Ibitipoca, Lima Duarte (Minas Gerais).
Por que o seu interesse em falar do universo do circo e contar a história de um palhaço?
A história é anterior ao circo. Eu queria falar de identidade, vocação. Esse filme poderia ser o mesmo filme, passando em um hospital, contando a história de um jovem médico, que é filho de um cirurgião e ele está em dúvida se deve continuar sendo médico. O mesmíssimo filme, o mesmíssimo dilema. Mas achei que, ao colocar isso em um circo, seria mais cinematográfico. É um dilema universal, que é caro para todo mundo, porque em algum momento você pode se questionar se deve continuar sendo jornalista. Acho que é aí que o filme toca e as pessoas se identificam com o Benjamim.
Quando você sentiu a necessidade de contar essa história?
Há três anos esse assunto veio mais claro. E ao mesmo tempo quis prestar grande homenagem à minha profissão.
Hoje em dia, os filmes entregam muito de bandeja para o espectador, mas o seu filme é cheio de sutilezas. Você acredita que há muitos realizadores que nivelam seu público por baixo?
Acho. Em nenhum momento, Benjamim se senta com o pai e fala que está em crise, mas o espectador entende o dilema. No cinema, o espectador não pode perder a capacidade do sonho. Acho que de certa forma se misturou cinema e documentário e os filmes estão se tornando cada vez mais realistas. Me interessa a fantasia. “O Palhaço” é um filme realista, porque fala de coisas humanas e sinceras, mas ao mesmo tempo, em um terreno da imaginação. Ele tem doçura, leveza na narrativa que o público está bastante encantado com o filme. Acho que ele está vindo em um momento perfeito.
Por conta do circo, o filme remete muito à infância, e a obra cita bastante a cidade de Passos, ele vai até lá, sua cidade Natal…
Foi uma homenagem à minha cidade, uma forma de colocar o nome dela em um lugar que vai ficar pra sempre. E me lembra uma coisa boa da infância. Pensei em fazer um filme com essa singeleza em tempos duros, tempos em que internet domina. E este é um filme analógico. Foi uma homenagem ao analógico.
Em que ano o filme está situado?
É atemporal. Tem gente que acha que é 1970, a moeda é o Cruzado, os valores é tudo 1.500, 3.600, mas quando chego ao Aldo Autopeças, meu irmão [Danton Mello] está usando uma camisa do Jimi Hendrix. Eu quis criar essa bagunça! Mas também podia ser hoje, passando em algum lugar do interior do país.
E a bandeirinha do São Paulo Futebol Clube, na mesa do delegado vivido por Moacyr Franco? Ele me disse que é palmeirense…
Homenagem ao meu time… Ele teve de aturar essa. (risos)
Giuseppe Tornatore, na ocasião do lançamento de “Cinema Paradiso”, disse que um bom filme tem de fazer a plateia rir e chorar. Você levou isso em consideração, já que “O Palhaço” tem essa capacidade?
Sim, tem essa capacidade, mas não pensei sobre isso. De qualquer modo, o filme tem um quê de “Cinema Paradiso” e de Amélie Poulain [“O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”]. As pessoas saem leves da sessão, é um filme que tem muitos elementos.
As filmagens foram feitas onde?
Rodamos em Paulínia em estúdios [o picadeiro foi montado lá] e também em locações, além de outras cidades por ali. Mas rodamos também em Minas, onde a geografia é mais rica, e dá mais força ao road movie.
Você teve dificuldade de cortar/editar o filme?
Não, zero. O filme é justo, tem 90 minutos. Provavelmente no DVD não haverá cenas deletadas.
Mas se fosse o caso, você teria dificuldade em cortar?
Não teria o menor pudor em me cortar, por exemplo. Aliás, eu tive o contrário. Em um primeiro corte, eu estava me deixando muito de fora, privilegiando as outras personagens. Mostrei para o Cláudio Torres [diretor de “A Mulher Invisível”] e ele me disse que eu estava com pudor de me deixar na tela, por ser eu. Foi uma bela dica que ele me deu. “Se fosse o Wagner Moura fazendo essa personagem, você o deixaria mais em cena, porque a gente está seguindo o Benjamim.” E ele estava certo, então voltei fazendo um pente fino.
Já te perguntaram o que significa o ventilador?
Já, mas eu nunca respondo. Cada um deve ter a sua interpretação. De repente eu respondo alguma coisa que pode ser pior do que a pessoa pensou. (risos)
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