Diretor de “Cidade de Deus”, um dos grandes sucessos do cinema nacional que completa 10 anos, Fernando Meirelles agora dirige “360”, longa-metragem que conta histórias distintas, em diferentes lugares do mundo, como Viena, Paris, Londres, Bratislava, Denver e Phoenix.
No elenco, Meirelles contou com dois atores brasileiros, Maria Flor e Juliano Cazarré, além de nomes internacionais, como Jude Law, Rachel Weisz e Anthony Hopkins. O roteiro é de autoria do inglês Peter Morgan (“Frost x Nixon”), que atualmente mora em Viena e viaja muito. “Essa história é muito pessoal pro Peter e uma das razões de eu aceitar fazer o filme foi poder trabalhar com ele.”
Já a direção de fotografia ficou sob a batuta do brasileiro Adriano Goldman. A ele, Meirelles é só elogios. “Ele é o cara de cinema mais internacional do Brasil, mas ninguém percebe”, conta, em entrevista coletiva realizada em São Paulo. “Chamei o César [Charlone], mas ele não podia. Ele é irrequieto, então tenho que tomar conta do César e do set. Gosto dele pra caramba, mas o Adriano é muito relaxado. Fiquei feliz de trabalhar com ele”, diz Meirelles.
O diretor explica que o filme foi todo montado no Brasil, por Daniel Rezende (“Cidade de Deus”, “Tropa de Elite 2”). “Sempre tento trazer o máximo possível para o país. Realmente não me envolvo em política aqui dentro, mas procuro fazer a ponte entre o cinema nacional e internacional.”
Morador da Granja Viana, Fernando Meirelles admite que costuma frequentar os cinemas da região. “The Square Open Mall é o meu cinema, tem programação ótima, feita pelo Adhemar [Oliveira, dono do Cinespaço e do Espaço Itaú de Cinema].”
Quando vai para o set, Meirelles não costuma ir muito planejado. “Adriano tem jogo de cintura. Se vamos mudar tudo, ele não estressa. Jogo de cintura é muito brasileiro”, admite. E acrescenta que houve muitas coisas de improviso, como uma cena de Anthony Hopkins. “Ele é alcoólatra e há 36 anos frequenta o AA [Alcoólicos Anônimos]. Ele quis fazer esse filme porque me disse que o personagem era ele. E disse: ‘Vou contar a minha história’. É dele a história da oração mais curta. Grande parte do texto é dele mesmo. Gosto de estimular e ser surpreendido.”
Com tantos deslocamentos, Meirelles explica que equipe principal é sempre a mesma. “Mas em cada país há uma equipe local. Pra mim funciona bem, funciono como chefe de equipe. É uma grande diferença.”
Maria Flor, que também estava na coletiva, conta que o ponto importante para ela ser escolhida era ter de dizer textos em inglês, o que achou difícil, pois “não podia ficar presa ao texto”. “Não sabia que ia contracenar com o Hopkins” e, ao contrário do que acham, eles não ficaram amigos. “Nas produções internacionais cada um tem o seu trailer e ele é muito reservado. Mas foi muito bom trabalhar com ele, fiquei muito feliz.”
Sobre os outros membros do elenco, Fernando conta que, mesmo com cachê baixo, os atores foram topando, pois eles iam precisar dispor de pouco tempo. “Sou grande fã do Jamel [Debbouze, que faz o papel de argelino].”
Uma das coisas que não funcionam no filme é justamente a quantidade de personagens e histórias. Para Fernando Meirelles, também foi uma barreira. “Todas as histórias têm menos tempo do que eu gostaria. Acaba que elas se tornam superficiais.
No tema geral, aí o filme funciona”, comenta ele sobre o que pode ser classificado como um “novo gênero” do cinema mundial, já que muitos cineastas têm feito esse tipo de história, haja vista “Babel”, “Crash – No Limite”, entre tantos outros, inclusive de mesma autoria do primeiro, Alejandro González Iñárritu, autor também de “21 Gramas” e “Amores Brutos”.
Cada história possui mais material filmado e é na montagem que se vai enxugando. Sobre incluir essas cenas no DVD, ele ainda não pensou, mas disse à repórter que “é uma ideia”, já que a cena do Hopkins era maior, por exemplo. “Tínhamos nove minutos e ficamos com pouco mais de quatro.”
Projeto
Assim como fez enquanto filmava “Ensaio Sobre a Cegueira”, Fernando Meirelles também escreveu um blog de “360”. “Há mais ou menos nove textos e procurei escrever sobre os personagens, já que cada semana tinha um ator novo.”
Seu próximo filme será a adaptação do livro do bilionário Onassis, “Nêmesis”. “Vai ser anunciado durante o Festival de Toronto e começa a ser rodado em novembro. Paramos no Natal e voltamos em fevereiro e março. O filme tem o dobro do orçamento do ‘360’ e é mais ambicioso. Acho que vou perder meu visto americano”, brinca.
Ele conta ainda que Bráulio Mantovani (“Cidade de Deus”, “Tropa de Elite”) é o roteirista. “O filme vinha pronto, mas quando me mandaram, vi que a história era boa, mas o roteiro não. A [produtora inglesa] Pathé contratou o Bráulio e foi mais prazeroso desenvolver o roteiro com ele de novo. Pena que não fiz mais roteiros nos últimos 10 anos”, lamenta.
Depois da produção, ele afirma que prometeu a ele mesmo e à crítica de cinema Maria do Rosário Caetano (autora de sua biografia), que vai rodar um filme nacional. “Devo fazer uma comédia, mas ainda não sei”, informa.
Cinema Nacional
Recentemente, Fernando Meirelles deu uma declaração pouco amistosa sobre o público brasileiro e o prestígio do cinema nacional, com foco em “Xingu”, do qual é produtor. Para esta fita, segundo ele, a meta são 300 mil espectadores. Meirelles explica que “Xingu” custou 12 milhões.
Segundo ele, para empatar o custo, eram necessários 1,6 milhão de espectadores. “O filme vai chegar a 300 mil e vai virar minissérie na Globo. Falei aquilo porque ia fazer filme ‘Sertão Veredas’ e seria uma grande produção, mas o público brasileiro não está interessado em filme de jagunço, por isso desisti.”
Uma coisa pela qual ele anda se interessando é o que chama nos Estados Unidos de “video on demand”, ou seja, o telespectador compra o que quer ver. “Estou interessado em replicar isso no Brasil. Lançam na TV um mês antes dos cinemas.
Depois que sai nos cinemas, o preço vai de 18 dólares para 9. Quando sai do cinema, cai para 5 dólares. Acho muito interessante para o Brasil, pois tem filme que some. Estou começando a trabalhar nisso com TV a cabo. Estamos tentando juntar pacotes e deixar dois anos em cartaz na TV.”
Para Meirelles, os filmes que funcionam para o público são as comédias, como “E Aí… Comeu?”, que ultrapassou dois milhões de pessoas na bilheteria. “A classe C tem um público formado em TV, e está mais interessado em cinema hoje em dia. Não tenho dúvida que o público você forma. O cinema começa a fazer parte da vida da pessoa. Particularmente não tenho interesse em fazer esse tipo de filme.”
Crítica
Várias histórias se misturam no longa-metragem “360”, de Fernando Meirelles. A fita começa com uma moça eslovena, Mirka (Lúcia Siposová), posando para o fotógrafo Rocco (Johannes Krisch), que serão inseridas na internet, em um dos sites de acompanhantes. Enquanto isso, sua irmã mais nova, Anna (Gabriela Marcinkova), apenas observa.
Seu primeiro encontro foi agendado por um executivo que viaja muito a trabalho e sente falta da família, e por isso contrata prostitutas. O personagem é vivido pelo inglês Jude Law, e ele vai desenrolando outras histórias, já que é casado e leal à sua esposa (Rachel Weisz). Então, passa a ser chantageado por um cliente, que propõe um negócio ou conta para a esposa que dormiu com prostituta.
As diferentes histórias são apresentadas ao espectador e, de certo modo, conectadas, até que volta para o ponto inicial (daí o nome “360”), ou seja, a prostituta que quer enriquecer rapidamente (mais ou menos o tema de “Slovenin Girl”).
A questão é que o longa tem muitos personagens e conta diferentes histórias, que se passam em continentes distintos, de modo que acabam se tornando rasos demais.
Além da história da prostituta e do executivo, o espectador vai acompanhar a da esposa, que também não é santa, já que mantém um caso com o fotógrafo brasileiro, Rui (Juliano Cazarré), que, por sua vez, namora Laura (Maria Flor). Quando ela descobre que está sendo traída, vai embora para o Brasil.
No avião, que faz conexão em Denver e Miami, conhece o britânico John (Anthony Hopkins). No mesmo aeroporto, conhece Tyler (Ben Foster), um criminoso condenado por abuso sexual, que acaba de sair da prisão e está em condicional. A cena, aliás, é uma das mais tensas, já que envolve bebida e desilusão, por parte da brasileira.
Já em Paris, um viúvo argelino (Jamel Debbouze) tenta decidir entre sua paixão por sua funcionária casada, a russa Valentina (Dinara Drukarova), ou por sua fé muçulmana. E que, de certo modo, acaba se conectando à história da prostituta.
“360” é um filme sobre escolhas. Inclusive do diretor, que escolheu dirigir um filme com o qual não concorda, embora extraia interpretações incríveis dos atores, incluindo Jude Law e Rachel Weisz, vencedora do Oscar por sua atuação em “Jardineiro Fiel”, do próprio Meirelles.