Em tempos nos quais reinam as animações feitas por computador e os efeitos especiais de ponta, também há espaço para a animação tradicional. Essa, aliás, foi a utilizada por Walt Disney, quando lançou “Branca de Neve e os Sete Anões”, em 1939. Mas, a partir de 1994, quando a Pixar mostrou ao mundo “Toy Story”, pouco se fez com lápis e papel.
Nem “Tron: O Legado” nem “Enrolados”, ambos da Disney. Assisti à animação francesa “O Mágico” (“L’illusionniste”) assim que ela estreou naquele país, enquanto eu estava em férias por lá, em junho do ano passado. No Brasil, a fita estreia nesta sexta, 14, e é dirigida por Sylvain Chomet, o mesmo de “As Bicicletas de Belleville”.
Um dos seus diferenciais, além da arte tradicional, é claro, é o roteiro, escrito pelo francês Jacques Tati no final dos anos 1950. Na época, ele escreveu para sua filha Sophie Tatischeff, e a história foi encontrada nos arquivos do CNC (Centro Nacional da Cinematografia) sob o apelido de “Film Tati N° 4”.
Tati morreu em 1982 e deixou um legado de filmes cômicos, como “Meu Tio”, de 1958, no qual atuou e dirigiu, além de outras obras, como “As Férias do Sr. Hulot”, “Tempo de Diversão”, “As Aventuras do Sr. Hulot no Trânsito Louco”.
Após meio século, a história sensível e delicada criada por Tati chega aos cinemas trazendo magia e emoção. Na trama, o mágico é um artista já velho e é forçado a andar em diversos lugares à procura de um palco para apresentar seus números a fim de ganhar dinheiro. Até que conhece Alice, uma garota simples, que mal conhece a energia elétrica, mas que se faz de mulher.
Entre mentiras de ambos os lados, os dois vão se encontrar em Edimburgo, na Escócia, onde ele fará uma apresentação e ela o segue a partir de Londres. Então, passam a dividir a sopa e o apartamento. Ele se encanta pela jovialidade dela, e ela, pela sabedoria e pelos truques de mágica dele. Mas também pelos presentes caros que ele lhe dá, e que acredita serem truques mágicos.
Praticamente sem utilizar diálogos (e, quando há, são em francês), o longa apresenta a mudança de comportamento dos personagens de maneira delicada e sensível, principalmente porque o relacionamento dos dois vai entusiasmando, e o amor vai crescendo com o tempo, ainda que vivam muitas vezes em meio à mentira.
Os traços dos desenhos comprovam que o diretor é o mesmo de “As Bicicletas de Belleville”, já que ambos são muito parecidos. E foi enquanto fazia o filme, em 2003, que Sylvain Chomet entrou em contato com a filha de Tati para pedir autorização de exibição de um trecho de sua obra “Há Festa na Aldeia”, para uma cena na qual as trigêmeas estão assistindo televisão na cama.
“Achei que seria divertido as personagens visualizarem um clipe de filme parecido em sentimento à história ciclística do Tour de France.”
Na ocasião, segundo o material de divulgação à imprensa, ela mencionou ao produtor Didier Brunner um roteiro não filmado de seu pai e deu a entender que o desenho se adequaria a ele. Infelizmente, Sophie morreu quatro meses após o primeiro contato, mas os parentes que assumiram o espólio concordaram com a decisão dela.
No roteiro há lamentações melancólicas, sentimento que quase não se vê em filmes de Tati, uma vez que ele sempre preferiu os pastelões. “O Mágico”, com sua história, aproveita para fazer o espectador refletir sobre sua própria vida, sobre o que tem feito de seu trabalho, suas ambições e conquistas, sempre envolvido em imagens lindas, bem-feitas e com um senso de humor sofisticado, como só Tati e Chomet poderiam fazer.
A fita já ganhou alguns prêmios em 2010, paricipou da Seleção Oficial do Festival de Berlim e foi nomeado ao Globo de Ouro 2011, na categoria Melhor Longa-Metragem de Animação, quando concorre com “Meu Malvado Favorito”, “Como Treinar o Seu Dragão”, “Enrolados” e “Toy Story 3”.