Depois de contar sobre a vida dos jogadores de rúgbi na África do Sul e, mais precisamente, sobre o ex-presidente daquele país, Nelson Mandela (representado brilhantemente por Morgan Freeman), em “Invictus”, novamente Clint Eastwood mexe na seara política e conta, em “J. Edgar”, a história do homem mais poderoso nos Estados Unidos, que chefiou o FBI (Federal Bureau of Investigation) por quase 50 anos.
Para o papel de J. Edgar Hoover, foi escalado o ator Leonardo DiCaprio (“A Origem”), que utilizou maquiagem pesada e um tanto artificial para retratar a passagem do tempo, além de uma voz rouca. Esta, aliás, não é a primeira vez que DiCaprio, que ficou conhecido por sua atuação em “Titanic”, retrata uma biografia no cinema.
Isso porque, com direção de Martin Scorsese, fez o papel de Howard Hughes, em “O Aviador”. Tal como Hughes, que sofria de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), seu personagem também é cheio de manias, além de ser atrapalhado com as mulheres, covarde em excesso e homossexual enrustido.
Em uma das primeiras sequências do longa, durante o encontro com Helen (Naomi Watts, de “21 Gramas”), ele mostra a ela como implantou na biblioteca a localização de livros, que pode ser catalogado e achado em segundos, com a nova técnica. E compara a tal localização com a de pessoas.
“Imagine se cada cidadão do país pudesse ser identificado de maneira única com o seu próprio cartão e número, digamos, com a impressão de seus dedos. Imagine a rapidez com que os acharíamos quando cometessem um crime.” Métodos, aliás, que são utilizados até hoje em ambos os setores.
Como era “atrapalhado” com mulheres, e percebeu que não iria se casar com uma, contratou a moça que convidou para jantar como sua secretária para a vida toda.
O filme, cujo roteiro é de autoria de Dustin Lance Black (também especialista em biografia política, já que é dele o roteiro de “Milk – A Voz da Igualdade”), conta a história das leis dos Estados Unidos e a influência do chefe do FBI nesta trajetória.
Ao lado do parceiro Clyde Tolson (Armie Hammer, de “A Rede Social”), no Bureau e na vida, Hoover vai mostrar ao mundo como se faz justiça. Na verdade, como era medroso, só chegava para prender o ladrão depois que alguém (mais corajoso) já o havia feito, e aparecia para ganhar os créditos e dar entrevistas à imprensa. Desmascarado por um jovem (Clyde), tratou de contratá-lo e ser o seu amigo. Aliás, mais do que amigo. Prometeram, um ao outro, no primeiro dia, que almoçariam e jantariam juntos diariamente…
Outra pessoa que teve muita influência em sua vida foi a mãe, aqui vivida por Judi Dench (“Notas sobre um Escândalo”).
Como o arco da história contada por Eastwood vai dos anos 1920 aos 1970, quando Hoover está chegando ao final da sua vida e da sua carreira como diretor do FBI, a direção de arte faz o seu trabalho e reconstroi a cidade, utilizando objetos, automóveis, além do tom sóbrio da película para fazer o espectador voltar ao tempo.
E, no vai e vem da história, que mistura quando Hoover iniciou o Bureau, aos 20 anos, até os dias em que começa a ditar suas memórias e a refletir sobre sua carreira, o espectador vai e volta no tempo de maneira deliciosa, sutil, sem cansar.
Ao mesmo tempo em que Eastwood resolveu retratar um herói americano, cujos procedimentos realizados por ele mudaram o país e continuam relevantes até hoje, desmascara-o, mostrando que preferia a companhia de homens a mulheres, que era mimado pela mãe e, sim, um covarde, que ganhava os louros às custas do trabalho de seus colegas.
Eastwood não recebe nenhuma indicação ao Oscar desde “Cartas de Iwo Jima” (nas categorias Melhor Filme e Diretor), em 2006, ainda que depois disso tenha feito ótimos filmes, como “Gran Torino” e “Invictos”.
Este ano, passou batido pelos membros da Academia, já que o anúncio feito no dia 24 mostrou que não foi indicado a nenhuma categoria. Tampouco DiCaprio, que não é apenas um rostinho bonito produzido por Hollywood. Mas quem liga para o Oscar, quando trata-se de um belo filme, dirigido por um dos melhores?