Quantos leitores desta coluna ligam para um jogo de rúgbi? Quantos conhecem as regras deste jogo? Embora “Invictus”, novo filme de Clint Eastwood (de “Menina de Ouro”), fale sobre o rúgbi, não se trata desta modalidade pouco conhecida no Brasil. Portanto, pouco importa se você domina suas regras para escolher assistir ao filme ou não. Em um momento, ele até explica que a regra número um é passar a bola ou para os lados ou para trás, mas não é esta é a questão.
“Invictus”, que chega ao país nesta sexta, 29, não discute as regras, não comenta se um time é melhor que o outro, mas sim como o presidente recém-eleito da África do Sul, Nelson Mandela (no filme representado por Morgan Freeman), conseguiu melhorar a autoestima da população no fim do apartheid e como conseguiu a confiança também dos brancos.
“Invictus”, que é um poema do inglês William Ernest Henley (cuja tradução é “invicto”, “insubjugável”), discute liderança, companheirismo e mostra como Mandela fez para todos acreditarem em sua proposta. Através de um jogo de rúgbi, o presidente faz o marketing de sua política, mostra que é possível o branco conviver com o negro em perfeita harmonia, sem preconceito de um lado ou de outro.
As primeiras mudanças são feitas dentro de seu governo. Sua segurança, formada por profissionais negros, recebe uma equipe composta por brancos. Segundo ele, foi a maneira de mostrar que seu governo seria daquela maneira, ou seja, negros convivendo com brancos e vice-versa. Outra lição que mostrou é que só o perdão liberta a alma. Mesmo que tenha passado 27 anos na prisão por lutar contra o apartheid, sai de lá com a concepção de que pode perdoar aqueles que lhe fizeram mal.
Na Copa Mundial de Rúgbi de 1995, portanto, une as torcidas, uma vez que a população tinha vergonha de torcer para os Springboks, que vestiam o uniforme verde e ouro e cujo brasão lembrava o apartheid. Literalmente, Mandela veste a camisa do time e convoca o capitão François Pienaar (Matt Damon) para vencer, lhe escreve declarações que se tornam inspirações que vão, de uma maneira ou de outra, alimentar a atitude de virada.
A África do Sul entrou na Copa como “loser”, como equipe perdedora que não ia conseguir chegar às Quartas de Final. Entretanto, tudo o que precisava fazer para avançar no campeonato era ganhar da Austrália, o primeiro jogo. A vitória, então, significou a melhora na autoestima do time, dos torcedores, de Nelson Mandela, de modo que todos conseguissem se unir para enfrentar os All Blacks, time neozelandês que era dado como favorito.
Um exemplo da segregação está representado na casa do capitão, onde os patrões são loiros, brancos e a empregada, negra, que votou no Mandela, que preza por um futuro melhor a seu país, que canta no dialeto deles. No jogo contra os All Blacks ela é convidada a se sentar na arquibancada ao lado da patroa. É o começo da mudança, uma mudança de dentro para fora, da África do Sul para o mundo.
Um jogo de rúgbi no qual brutamontes são obrigados a se bater, saem com hematomas nas coxas, no peito, no rosto, vão mostrar que a parte física conta muito, mas que é preciso mudar principalmente na cabeça de cada jogador, é acreditar que é possível vencer. E esta é a diferença entre os outros times.
“Invictus”, baseado no livro de “Playing the Enemy”, de John Carlin, tem roteiro escrito por Anthony Peckham (que também colaborou com “Sherlock Holmes”, de Guy Ritchie). Com filmagens realizadas em Johanesburgo e na Cidade do Cabo, na África do Sul, trata-se de um filme emocionante que vai mostrar o espírito de união.
Falar sobre mais um filme do diretor Clint Eastwood, que retratou em “Menina de Ouro” a superação durante o treino de boxe, ou da falta de tolerância e do preconceito do bairro americano tomado por imigrantes, em “Gran Torino”, ou até mesmo a Segunda Guerra Mundial vista por americanos e japoneses em, respectivamente, “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”, é confirmar que ele, mais uma vez, acertou a mão. O consagrado diretor mostra com sua câmera de maneira eficiente tanto a catimba de um violento jogo de rúgbi como também tem sensibilidade de apresentar momentos emocionantes desta luta contra o apartheid.
Em ano de Copa do Mundo, com sede na mesma África do Sul, é um bom convite para se assistir à produção. De repente, nosso presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia convidar o capitão do time brasileiro para assistir a este filme e, quem sabe, ambos possam se inspirar. Pois, com humildade, de repente, chegaremos à conquista de mais um título mundial.