Depois que a cortina da Ditadura no Brasil foi derrubada, os cineastas brasileiros se interessaram em retratar o período sombrio nas telas. Foi assim com “Olga“, de Jayme Monjardim, “O Que É Isso, Companheiro?”, de Luiz Carlos Barreto, “Quase Dois Irmãos”, de Lúcia Murat, “Cabra-Cega”, de Toni Venturi, “Vlado – 30 Anos Depois”, sobre Vladimir Herzog, de João Batista de Andrade, e tantos outros. Dia 4 de agosto é a vez de “Zuzu Angel” chegar aos cinemas em história contada por Sérgio Rezende (“Lamarca”).
A trama tem como pano de fundo a vida da estilista mineira Zuleika Angel Jones, vivida por Patrícia Pillar, cujo filho Stuart Angel (Daniel de Oliveira) foi preso na década de 70. Porém, trata-se da luta desta mãe em busca do filho que sumiu quando participava do movimento estudantil, contrário à ditadura militar vigente. Sem saber o que tinha acontecido, ela começa a incessante corrida atrás de informações sobre o seu paradeiro, uma vez que o Exército, a Aeronáutica e a Marinha esconderam-no.
Zuzu começou a costurar para fora nos anos 60 para ganhar a vida, uma vez que se separou do marido norte-americano e tinha três filhos para cuidar. Para encontrar o seu corpo e poder enterrá-lo, depois de revelada a sua morte, ela recorre às autoridades internacionais e, sozinha, movimenta o mundo. Em um dos seus últimos desfiles, aliás, ela demonstra perturbação por intermédio da coleção escura e desenhos tristes, além de distribuir fotos do filho que ainda procurava.
Como o espectador poderá perceber, a trama não é uma cinebiografia. O arco da história é sobre os cinco anos (1971-1976) que vai desde o sumiço do filho até a sua morte em um acidente de carro na saída do Túnel Dois Irmãos da Estrada da Gávea, no Rio de Janeiro.
A fita mostra como era a vida da família, como Zuzu conseguiu se destacar na carreira mesmo usando roupas brasileiras (consideradas cafonas para a época em que só se vestiam as grifes européias), a sua amizade com a modelo Elke (interpretada por Luana Piovani) e a mobilização que ela fez para as pessoas prestarem atenção ao que estava acontecendo dentro do seu país.
As cenas aparecem em flashback e são bastante irregulares, mas contam a história do filho que já havia sido morto, enquanto ela escreve uma declaração, logo no início da fita, porque está com medo de ser morta. A carta, aliás, existiu e foi encaminhada ao cantor e compositor Chico Buarque, e dizia: “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.
Um dos momentos em que Patrícia Pillar mostra a que veio é enquanto ela lê a carta do preso político Alex Polari de Alverga, as cenas mostram apenas a sua sombra por atrás da cortina. Outro momento que vale destaque é no tribunal, quando ela faz um discurso prolongado para falar que os militares julgavam e condenavam um brasileiro que já havia sido morto. Realmente, de impressionar.
Com cenas escuras, sombrias e que retratam o quanto aquele tempo era pesado para a sociedade, o longa deve emocionar o público. Os personagens são apresentados aos poucos e enriquecem a película. Porém, o filme peca por sua estrutura um tanto noveleira, que provoca emoções rápidas e narrativa um pouco cansativa. O destaque fica também para a cena na sapataria, quando Zuzu vai falar com o pai de Lamarca (Nelson Dantas), que tem uma participação ímpar na fita. O ator, aliás, faleceu no início do ano.
Um dos pontos altos, no entanto, é o figurino, desenvolvido por Kika Lopes, que coordenou o trabalho de pesquisa, idealização e confecção de 500 looks. Anéis, óculos e relógio, usados por Patrícia Pillar, no entanto, pertenciam à Zuzu, ao contrário dos vestidos, que são releituras dos modelos usados pela estilista.
O ator Daniel de Oliveira, que fez Cazuza no cinema (e teve incrível participação), desta vez conta que foi mais fácil reviver um personagem que já existiu. Patrícia Pillar, no entanto, foi crescendo junto com a personagem no decorrer do longa.
No carro, enquanto Zuzu dirige, toca “Apesar de Você”, música de Chico Buarque composta na época da Ditadura. Parece óbvio, mas serviu como uma luva para o desfecho triste. Assim como a canção “Angélica” (“Quem é essa mulher, / que canta sempre esse estribilho? / Só queria embalar meu filho, / Que mora na escuridão do mar), que ecoa enquanto os créditos sobem e foi regravada pelo cantor para o lançamento do filme, já que a composição foi feita, na época, em homenagem a Zuzu.
Mais um longa-metragem que choca o espectador ao assistir cenas de brutalidade, espancamento, tortura e repressão em troca de poder do governo. Com cenas em close, narrações em primeira pessoa e discursos acalorados (e forçados) dos personagens que retratam o socialismo (como Sônia, mulher de Stuart, vivida por Leandra Leal), “Zuzu Angel” trata-se de um bom filme que vale ter na memória, principalmente por conta da aula de história. Entretanto, é bom lembrar que sempre há outros assuntos dentro da história do Brasil para se filmar que não a triste Ditadura (ou não sempre de um mesmo modo).
Por trás das lentes
Em entrevista coletiva em São Paulo, atores, diretor e produtores do filme “Zuzu Angel” contaram um pouco mais sobre a filmagem da história da estilista brasileira e sobre a sua luta em busca do corpo do filho Stuart Angel, que morreu após ser preso e torturado na época da Ditadura Militar, na década de 70. Não se trata, pois, de uma cinebiografia, mas de um thriller dramático, que mostra o sucesso da estilista e sua busca incessante.
O produtor executivo Joaquim Vaz de Carvalho se interessou pela história porque era amigo de infância de Stuart. “Em 1986, a Hildegard (filha de Zuzu), como jornalista, me procurou para saber se eu tinha contato com Duran (o roteirista Jorge Duran), porque ele estava interessado em fazer um filme sobre a Zuzu. Seria a estréia do (diretor) Walter Salles no cinema. Mas não foi autorizado naquele momento, porque fazia pouco tempo que tudo tinha acontecido. Depois de um tempo, achei que tínhamos que contar a história para as pessoas que não sabiam quem foi Zuzu”, explica.
Além dele e de Hilde, a participação de Elke Maravilha para a construção do roteiro foi fundamental, porque ela foi a primeira modelo que Zuzu levou para seu desfile em Nova York. “Conheci Zuzu e logo tivemos empatia. As pessoas a chamavam de cafona, porque ela usava coisas brasileiras, como chita e renda. Neste dia ela começou a falar do filho, que nem cheguei a conhecer. Mesmo sendo mineira, ela desceu do muro, contava para as pessoas na rua que o filho havia sido preso.”
Emocionada, Elke continua: “Às vezes eu dizia: ‘Zuzu, você vai acabar sendo morta deste jeito’. E ela falava: ‘Eu estou morta, já mataram o meu filho’. A Zuzu enfrentou o medo de uma forma que ninguém imaginava”, conta a ex-modelo russa que chegou ainda menina no Brasil.
Além de participação na construção do longa-metragem, Elke atuou como cantora de cabaré. Na película, Elke é vivida pela atriz Luana Piovani. “Quando recebi o telefonema para fazer a Elke eu pulava de alegria. Nos encontramos em Juiz de Fora (Minas Gerais), na sua casa, mas não falamos apenas sobre a Zuzu, falamos também sobre ela, para eu poder senti-la como pessoa”, diz Luana, que recentemente pôde ser vista no cinema em “O Casamento de Romeu e Julieta”.
O papel de Stuart ficou para o ator Daniel de Oliveira, que recentemente atuou em “Cazuza – O Tempo não Pára”, como personagem-título do longa. Ele conta que foi mais fácil desta vez. “Eu não tinha muita referência, como eu e todo mundo tinha de Cazuza.” Indicado por Patrícia Pillar, Daniel diz que leu sobre o tema e também sobre o jovem para vivê-lo no cinema.
Já Patrícia Pillar usou o seu processo (que ela chama de caótico) para construir a sua Zuzu. “A personagem é complexa e fui buscar informações com pessoas. A Hildegard me ajudou muito, assim como conversei bastante com Chico Buarque, que compôs a melodia que está na trilha do filme. Conversei com colega de Stuart, com pessoas que foram torturadas, li muita coisa. O Sérgio (diretor Sérgio Rezende) me deu liberdade para eu construir a minha Zuzu, mas eu tinha preocupação com a personagem que existiu um dia”, afirma Patrícia. “O filme não é documentário e acho que no final contamos uma história”, conclui.